Hitachi/Nippon Sharyo – Série 500: O samurai de inox

 

O ano é 1975, auge da repressão da ditadura militar no Brasil, lutas sendo travadas entre o autoritarismo do regime dos generais contra as forças de liberdade e democracia, representadas pelas classes estudantis, de intelectuais, sindicais e partidos (ilegais) de esquerda. Em meio a todo esse cenário em polvorosa, tanto na política, quanto no retrato social, o sistema de trens de subúrbios do Rio de Janeiro passava por um verdadeiro caos, falhas operacionais, avarias mecânicas, sinalização defasada, problemas de alimentação e na via permanente aconteciam devido aos parcos investimentos feitos pelos governos na reequipação total do sistema e em resposta a isso tudo: depredações de trens, estações e outras instalações ferroviárias, causadas pelos passageiros. O evento que culminaria como a gota d’água de toda aquela indignação popular com o péssimo serviço prestado pela RFFSA seria um acidente fatal ocorrido numa curva, poucos metros antes da estação Magno (atual Mercadão de Madureira) no Ramal Belford Roxo, quando um trem da Série 200 lotado, que fazia viagem com destino a Japeri via Linha Auxiliar, saiu dos trilhos e em alta velocidade se chocou contra o barracão da G.R.E.S. Império Serrano, ceifando centenas de vidas e deixando milhares de feridos.

O acidente fatal de Magno em 1975.

O governo militar decidiu, enfim, se mobilizar para que se fossem feitos os investimentos necessários para a modernização da malha ferroviária de subúrbios. Esses investimentos se dariam em forma de aquisição de novos trens e reformas dos já existentes, modernização das estações, troca de material de via permanente e na substituição do sistema de sinalização. Em 1975 seria feita a encomenda dos 30 primeiros dos 180 novos trens, os quais seriam fabricados no Japão pelo consórcio Hitachi/Nippon Sharyo Seizo Kasha. Para se fazer um trem sob medida às características da ferrovia carioca, os engenheiros responsáveis pela fabricação vieram ao Brasil e estudaram todos os detalhes e peculiaridades dos ramais do sistema de trens de subúrbio, talvez por isso esses trens sejam tão versáteis e com bom desempenho em todos os ramais do Rio de Janeiro.

Os novos trens da RFFSA.

Ao final de 1976, os trens já estavam prontos e sendo desembarcado no Rio de Janeiro, e devido o avançado estudo do sistema carioca feito pelos japoneses, esses trens não tiveram maiores dificuldades em serem testados e logo entraram em operação, no ano de 1977. Os novos trens foram batizados como Hitachi Nippon Sharyo Seizo Kasha – Série 500, popularmente conhecidos como “Japona” ou “Cara Dura”. Eram constituídos de aço-inox e assim imunes à corrosão, diferente de seus companheiros de ferrovia (Séries 100, 200 e 400), que possuíam a caixa constituída de aço-carbono, e os Série 500 ainda tinham o salão de passageiros pintado em verde e creme. Outras diferenças com relação aos trens da época eram sua formação unitária de quatro carros, que permitia a formação de uma composição de oito carros (o padrão de doze carros seria possível, mas nunca implementado) e o fato de possuírem um carro motor a mais que os outros trens, dois, sendo eles os carros líderes (M-R-R1-M1). Em termos de características mecânicas podem alcançar até 120 km/h, mas só atingem 90 km/h em operação, tendo aceleração média de 0,80 m/s² e taxa de desaceleração em 0,77 m/s² (freio de serviço) e 1,10 m/s² (freio de emergência).

Depredação: dessa vez em Olaria, 1984.

Logo no início da operação dos Série 500  nos trilhos cariocas ocorreu sua primeira modificação, a extinção da passagem entre os carros, até hoje não se sabe o motivo de tal modificação. Ao longo dos tempos da RFFSA/CBTU, os trens japoneses eram frota frequente nos serviços de passageiros dos ramais Japeri, Santa Cruz e Gramacho e como trens dos anos 70/80 sofreram com a improbidade instalada nessas estatais, que não davam a devida manutenção as suas composições, isso aliado aos vandalismos corriqueiros praticados pelos passageiros ou por parte dos moradores do leito ferroviário (são notórias as marcas de pedradas que os “Japonas” têm em sua caixa).  Ainda com todos os problemas que cercavam seu ambiente, são os que chegaram em melhor estado ao ano de 1996, quando começaria o PET I (Programa Estadual de Transportes) e assim sofreriam as primeiras reformas no período da Flumitrens e Supervia. As primeiras reformas se deram entre 1996 e 2000, pela CCC (Companhia Comércio e Construção) e MPE (Montagem de Projeto e Execução), sofreram revisão geral, troca de equipamentos, lanternagem da caixa e eventual repintura aos padrões Flumitrens e Supervia, posteriormente. No ano de 2002, três unidades receberiam além da reforma, que seria executada pela MPE, a adição de um carro reboque, assim as unidades 509, 511 e 526 passaram a ter cinco carros e após um período de tempo no Ramal Belford Roxo, começaram a formar composições de nove carros com outras unidades da Série 500.

Série 500 na Supervia.

Ao final dos anos 2000s, após a modernização com implantação de equipamentos de ar condicionado em alguns trens das séries 700 e 900, foi especulado que a Série 500 também seria contemplada com reforma do tipo, mas o fato só veio a ocorrer no ano de 2012, executada pela MPE. Na verdade, o que houve foi uma simples reforma onde os padrões estabelecidos para a implantação de sistema de refrigeração dos carros feitos pela Alstom e IESA nas outras séries citadas não foram seguidos na Série 500. Os trens receberam a colocação de equipamentos de climatização com potência abaixo do necessário para um carro ferroviário, as janelas não foram substituídas, mas seladas, e foi feita uma repintura do seu salão de passageiros e da máscara do trem, caracterizando uma reforma muito tímida e que vem desagradando os passageiros e entusiastas dos trens.

Um Hitachi 500 climatizado pela MPE em 2012.

O futuro dos trens da Série 500 (e dos outros trens de inox adquiridos pela RFFSA) é incerto, especula-se que devem operar até 2020 e serem descontinuados em lugar de trens novos, devido os custos altos de uma modernização à altura dessa série. Infelizmente, é até onde pode se chegar com os TUEs de aço-inox dos anos 70/80, pois, o deflagrado sucateamento imposto a estes trens em todo o período estatal e da privatização, em menor escala, fará com que eles não possam atingir sua vida útil ou até mesmo ganhar alguma sobrevida. Mesmo assim, os Hitachis 500 são guerreiros, pois, se compararmos a aniquilação ocorrida em unidades da Série 500 com as das Séries 800/8000 e 900, veremos como eles são resistentes às anomalias da malha de subúrbio carioca e sem falar que eles são pioneiros do padrão de trens que se segue no Rio como em outras capitais, quatro carros com forças motrizes nas cabeceiras, sendo um legado deixado às futuras séries. Enfim, quem anda e gosta de trem jamais vai esquecer seu ronco em meio ao arranque em alta velocidade e os seus pulos característicos, que eternizam o Hitachi/Nippon Sharyo Seizo Kasha – Série 500.

Galeria de Fotos:

Série 500 no Engenho Novo.

TUE 520/507 em Quintino.

TUE 526, Série 500 de 5 carros.

Placa da Flumitrens para identificação de carro – ER511.

Unidade 515 em Piedade.

Acoplamento das unidades 512 e 511.

TUE 513 em Marechal Hermes. Um dos 500 climatizados.

TUE 511. O carro da foto descarrilhou em Madureira na semana seguinte a foto e foi baixado.

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10 pensamentos sobre “Hitachi/Nippon Sharyo – Série 500: O samurai de inox

  1. Na segunda-feira de Carnaval estando aí no Rio fui andar de trem e para minha felicidade era um 500 que ia para Santa Cruz. Ia, pois devido à problemas no sistema de climatização e provavelmente elétricos também, simplesmente o trem travou as portas. Passamos um sufoco, mas no final a viagem foi realizada pelo Rotem com 30 minutos de atraso.

  2. Pelo visto o sistema de trens do rio sofre com mesmos problemas de antigamente falta de conservação por parte dos passageiros manutenção deficiente por falta de pessoal qualificado para fazê-lo e só ver os trens da série 2005 já estão em estado deplorável infelizmente e dinheiro jogado no lixo.

  3. Concordo plenamente com esta obervação. Estes trens japoneses são de fato de raça,pois até hoje suportam o fluxo constante de usuários no Rio. Estão de serviço desde 1977, com firmeza no transporte de massa. Lembro-me de quando eles chegaram ao Rio, novos em folha, com a característica peculiar de uma ótima ferramenta para suportar uma tarefa difícil. A Rede Ferroviária Federal fez, na época, uma excelente aquisição. Por serem de ótima resistência, a série 500 da Hitachi trabalha até hoje. Um abraço.

  4. Concordo com o amigo Jefferson Henrique. Esse trem sofreu inúmeras mudanças, eliminando suas características originais. Até grafitagens foram permitidas, ofuscando a aparência inox da composição. Podemos ter uma idéia da durabilidade deste trem, considerando estarem em uso desde 1977.

  5. Gosto desta série também, caro Jefferson, Temos algumas unidades deste trem da Hitachi / Nippon Sharyo trafegando imundos, sem uma recuperação na pintura. Que pena, uma maquina valente e resistente sem a devida manutenção externa.

  6. Excelente material sobre a Serie 500, o famoso trem japones. Utilizei bastante este trem desde jovem aos 18 anos. Hoje tenho 56 anos e considero um dos mais resistentes e eficientes trens que circulam no Rio. Pode nao ser o mais veloz perto dos trens da Coreia, China Franca, porem com certeza sao os melhores no transporte diario e pesado do Rio. E um otimo trem da Hitachi / Nippon. Sharyo e Kawasaki. A Mitsui atuou na negociacao de compra entre o governo federal e as fabricantes japonesas.

  7. Serie 500 da Hitachi/Nippon SHaryo e Kawasaki. Ano de 1.977, chegada dos trens japoneses, pra mim os mais redistentes e eficientes ainda em servico no Rio de Janeiro.

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